sábado, 30 de maio de 2009

Bouttoniere: livro de Umberto Angeloni

Cary Grant na capa do livro de Umberto Angeloni

Não se trata de nenhuma obsessão especial pela bouttoniere, mas gostaria de retornar a esse tema, sobre o qual já escrevi recentemente. A razão para isso é que recebi há poucos dias um livro esgotadíssimo: The Boutonniere: Style in One's Lapel, de Umberto Angeloni. O livro de Angeloni conta com uma excelente seleção de fotos e ilustrações, antigas e recentes.

É incrível que se possa escrever um livro inteiro sobre um buraco na lapela do paletó. Isso não seria possível, é claro, se ao longo de mais de um século homens como Oscar Wilde, Santos Dumont, Luciano Pavarotti, ou Nelson Mandela não tivessem utilizado a boutonniere para exprimir individualidade e estilo com muita elegância.


A contra capa do livro de Angeloni é especialmente interessante, pois mostra nitidamente a alça que prende a flor por trás da lapela, a que me referi em uma outra postagem. Esse detalhe, evidentemente, não se pode esperar encontrar em um paletó comprado pronto. - Trata-se de uma prerrogativa do paletó sob medida.

Ao clicar sobre a foto acima e contemplar a imagem ampliada, você poderá perceber com clareza que o caseamento da
boutonniere é um pouco irregular. Isso é um sinal de que ela não surgiu na linha de montagem de uma confecção industrial, mas nas mão de algum habilidoso artesão.


Santos Dumont com flor na lapela
O comentário espirituoso de Angeloni ao elegante pioneiro da aviação: “O engenheiro e aeronauta brasileiro Alberto Santos Dumont posa orgulhosamente com uma de suas primeiras aeronaves para um fotógrafo. A história não nos conta nem se ele usava flores na boutonniere durante seus vôos, nem como elas se comportavam sob o vento.”

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Sapatos bicolores: "spectator" ou "correspondent"

Faz alguns dias referi-me aos sapatos bicolores, mais conhecidos em inglês como spectator ou correspondent. Trata-se de um velho clássico, fabricado tanto na combinação preto e branco, como marrom e branco. Na década de vinte e trinta spectators eram muito usados por músicos de jazz, evocando o clima de harmonia que vigorava entre negros e brancos nas bandas da época.




Spectators são sapatos para serem usados durante o dia, preferencialmente no verão, pois estão ainda hoje associados às práticas esportivas que os tornaram populares, sobretudo o golfe. Um inconveniente que esse tipo de sapato oferece é o polimento, pois é quase impossível aplicar graxa sobre a superfície de uma cor, sem que ela atinja também a superfície da outra cor. Por essa razão, a graxa mais recomendada para a limpeza e polimento de sapatos bicolores é a graxa incolor.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Alan Flusser: tributo à elegância do corpo diplomático brasileiro


Os últimos anos têm presenciado a publicação de vários novos livros sobre estilo e elegância clássica masculina. Esses livros variam bastante em qualidade, e poucos chegam ao mercado editorial brasileiro, o que é realmente uma pena. Se você se interessa por elegância e estilo, e gostaria de uma boa dica de bibliografia sobre o tema, eu recomendaria com veemência um livro em especial: Dressing the Man: Mastering the Art of Permanent Fashion
, do americano Alan Flusser.

Alan Flusser

Na verdade, Flusser é autor de outros títulos sobre elegância e estilo, mas
Dressing the Man se destaca sobretudo pelo texto bem escrito, e pela cuidadosa seleção de fotos e ilustrações dos anos trinta e quarenta. Para o leitor brasileiro, há uma passagem do livro digna de atenção. Flusser afirma o seguinte: "Back in the thirties, no group of swells was alleged to exude more collective swank than the Brazilian diplomatic corps". (Minha tradução: "Lá nos anos trinta nenhum grupo de homens alinhados ostentava mais elegância coletiva do que os membros do corpo diplomático brasileiro").

Atenção, Itamaraty, reviver e preservar a tradição da elegância clássica masculina entre brasileiros de bom gosto é também sua nobre missão!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Hugh Laurie: Entrevista na Playboy

Revista Playboy / maio 2009

Gostaria de agradecer aos editores da Revista Playboy pela publicação da carta que enviei em abril, parcialmente reproduzida acima. Na série Jeeves and Wooster, filmada no início dos anos noventa, Hugh Laurie interpreta Bertie Wooster, um aristocrata solteirão que não tinha a menor intenção de alterar seu estado civil, ao contrário das expectativas de sua tia Agatha Gregson que gostaria de vê-lo casado. Nos episódios, Wooster é sempre salvo de suas trapalhadas graças à genialidade de seu fidelíssimo valete, interpretado por Stephen Fry. As histórias de Jeeves e Wooster são, na verdade, uma criação do escritor britânico Pelham Grenville Wodehouse. Os
episódios da série de TV são adaptações de apenas alguns dos diversos contos e romances que Wodehouse escreveu sobre os dois elegantes personagens.

Hugh Laurie e Stephen Fry na série Jeeves and Wooster

Para a cultura da elegância clássica masculina os
episódios da série Jeeves and Wooster são de especial interesse, pois as histórias são ambientadas na década de trinta, período de ouro da elegância clássica masculina. Há várias cenas que retratam as discussões de Jeeves e Wooster sobre tipos de paletós apropriados para eventos esportivos, modelos de chapéus para serem usados em cruzeiros, sapatos para golfe, etc. Jeeves, apesar das relutâncias de Wooster, acaba sempre tendo a palavra final...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Relógio de bolso e "bouttoniere": Bertie Wooster

Hugh Laurie interpretando Bertie Wooster

Em minha postagem anterior falei do uso da bouttoniere para prender o relógio de bolso, que normalmente se guardava no colete. Há diversos episódios da série Jeeves and Wooster em que Hugh Laurie, no papel de Wooster, carrega seu relógio no bolso superior esquerdo do paletó. E o mais genial é que ele fazia isso sem abrir mão do lenço, elegantemente alocado no mesmo bolso. Repare que a calça que Laurie está vestindo é tipicamente inglesa, com as pregas voltadas para frente, ao contrário das pregas que normalmente se vêem nas calças que se vestem tanto no Brasil, como nos Estados Unidos, bem como em boa parte da Europa.

sábado, 16 de maio de 2009

Relógio de bolso e "bouttoniere"

Barão do Rio Branco / c. 1875
Em uma postagem anterior, referi-me à função que a bouttoniere adquiriu a partir do momento em que ela deixou de ser utilizada para se abotoar o botão superior do paletó, passando então a ser usada para abrigar uma flor, como por exemplo um pequeno cravo vermelho. Mas há ainda uma outra função para a bouttoniere. Com o gradual declínio do uso do colete, surgiu o problema sobre onde se poderia abrigar o relógio de bolso. Tradicionalmente, o relógio era colocado no bolso do colete, deixando visível apenas sua correntinha, como na imagem acima retratando o elegante Barão do Rio Branco.

Esquire / 1934

Uma solução foi substituir a correntinha de metal por uma discreta tirinha de couro, prendendo em uma de suas extremidades a bouttoniere e na outra o relógio, que passou então a ser alocado no bolso superior esquerdo do paletó.

Ludwig Wittgenstein / 1930

Ludwig Wittgenstein / 1929
Há diversas fotos e ilustrações da época de ouro da elegância clássica masculina sugerindo esse uso bastante casual do relógio de bolso. Em pelo menos duas fotos o filósofo Ludwig Wittgenstein é visto usando um relógio de bolso preso à bouttoniere.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Paletó e calças diferentes (II)

Outra combinação clássica envolvendo calça e paletó com cores diferentes é aquela que tem origem na cultura naval britânica. Trata-se do blazer azul marinho e calça branca. Embora essa combinação tenha sido rapidamente integrada ao guarda-roupa civil, é difícil dissociá-la da cultura náutica em que surgiu.

David Niven e Peter Ustinov no filme Morte sobre o Nilo / 1978

No filme Morte sobre o Nilo, adaptação do livro homônimo de Agatha Christie, David Niven é visto a maior parte do tempo em um blazer tipo jaquetão e calças brancas. Repare que os sapatos e as meias de Niven acompanham a cor da calça. Para manter afastada de seus sapatos a poeira do deserto, Hercule Poirot, interpretado por Peter Ustinov, usa um tipo de proteção denominada spats.

marca Ralph Lauren

Mais tarde, grifes tentam então transformar em moda combinações que jamais deixaram de ser clássicas...


A combinação de calça branca e paletó azul marinho também pode ser acompanhada de sapatos do tipo bicolor, chamados spectator ou correspondent, como mencionei na postagem anterior. Nesse caso, o mais indicado, evidentemente, é que os sapatos tenham como cores preto e branco.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Paletó e calças diferentes (I)

Igor Strawinsky, por Jacques-Emile Blanche / 1915
A palavra “terno” designa uma combinação que, originalmente, envolvia três elementos apresentando mesmas cores e padronagens. Esses elementos eram: calças, paletó, e colete. Embora o uso do colete tenha se tornado cada vez mais raro, a palavra “terno” foi preservada. A palavra em inglês para terno é “suit”, que designa basicamente o mesmo princípio: uma “seqüência” de peças (paletó, calças, e colete) com as mesmas cores e padronagens.

A conjunção de um paletó e calças em cores ou padronagens diferentes não é um terno, mesmo que se trate de uma combinação bastante elegante e formal.


Combinar com elegância calças e paletó diferentes é uma arte que exige sensibilidade para a harmonização de cores que contrastam, sem, no entanto, colidirem. Um clássico é a combinação envolvendo paletó azul marinho e calça caqui, como na pintura acima retratando o compositor Igor Strawinsky. Essa combinação é especialmente atrativa durante o dia, naquelas ocasiões em que um terno talvez pudesse sugerir um excesso de formalidade.

Repare os sapatos bicolores de Strawinsky. Eles
se chamam spectator ou correspondent. O spectator é um clássico que deveria ser visto com mais freqüência, sobretudo no clima de perpétuo verão em que vivemos. Eles existem tanto na combinação de marrom & branco, quanto de preto & branco.

sábado, 9 de maio de 2009

Savile Row: Henry Poole


A casa de alfaiataria mais antiga da Savile Row é a Henry Poole, fundada em 1806. Existe alguma controvérsia em torno do surgimento do
smoking – o que os ingleses chamam de dinner jacket , mas a versão mais plausível da história é que ele tenha surgido na Henry Poole.


Em 1860, o então Príncipe de Gales encomendou na Henry Poole um paletó curto, para usar em jantares mais informais em uma de suas residências campestres. A idéia rapidamente foi copiada por outras pessoas, popularizando o que veio a se tornar um dos trajes mais conhecidos da elegância clássica masculina.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

As origens da elegância clássica masculina

The Start of The Hunt, tela de Heywod Hardy (1843 - 1933)

Por paradoxal que possa talvez parecer, os grandes clássicos da elegância masculina tiveram sua origem em atividades esportivas, e foram concebidos para serem vestidos no campo, longe da cidade. Uma das razões para isso é que a aristocracia britânica, diferentemente, por exemplo, da nobreza francesa, vivia longe da corte, reclusa em suas residências campestres.

É no campo que a realeza britânica preenchia seu tempo com o exercício da
caça, do hipismo, ou do golfe. Essas atividades exigiam roupas práticas e confortáveis, mas sem abrir mão da elegância. Aos poucos, alguns dos trajes concebidos originalmente para serem usados no campo, e que eram praticamente proibidos na cidade, foram se incorporando à rotina da vida urbana.

domingo, 3 de maio de 2009

Savile Row (III)

meu nome é Bond, James Bond...

Ian Flemming, o autor de James Bond, era um conhecido freqüentador da Savile Row. Há diversas passagens dos livros sobre o agente 007 que sugerem que James Bond não se preocupava menos com sua própria aparência do que o seu criador. Já no primeiro livro da série, “Dr. No”, há uma passagem em que Flemming fala, sem se referir diretamente à Savile Row, do “primeiro alfaiate caro” de James Bond. Na versão cinematográfica desse livro, a alusão à Savile Row é mais direta. No filme, um agente da CIA pergunta para James Bond onde ele adquiriu seu terno. Sean Connery, no papel do agente 007, responde então: “Meu alfaiate é da Savile Row”.


meu nome é Sinclair, Anthony Sinclair...

Na verdade, o alfaiate de Sean Connery, para o filme “Dr. No”, foi Anthony Sinclair, que não era exatamente da Savile Row, mas da Conduit Street, uma rua próxima à Meca da alfaiataria masculina.

sábado, 2 de maio de 2009

Savile Row (II)

filósofo Ronald Dworkin - freqüentador da Savile Row
A cultura da elegância clássica masculina tem servido de inspiração através dos tempos não apenas ao trabalho de arquitetos, como mostrei em algumas postagens passadas, mas também ao trabalho de renomados filósofos como Ronald Dworkin.

Como tratar filosoficamente de questões controversas como a da eutanásia ou a do aborto? Essa é a questão que Dworkin se coloca. E para respondê-la, o filósofo faz uma analogia entre suas próprias teorias e os ternos produzidos sob medida na Savile Row. Segundo Dworkin, não devemos recorrer a teorias “prontas”, tentando ajustá-las a casos particulares. Devemos, pelo contrário, proceder com elegância: partimos do exame de um problema concreto, tentando em seguida desenvolver uma teoria “sob medida”, que se ajuste perfeitamente ao caso particular. É como optarmos por um terno feito sob medida na Savile Row, em lugar daquele terno comprado pronto em uma loja de departamentos.

Dworkin conclui: suas teorias são “...bespoke (sob medida), feitas para a ocasião, Savile Row, e não Quinta Avenida.”