sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Seersucker suit: o terno de anarruga

Terno de anarruga

O calor pode ter recrudescido um pouco neste final de fevereiro, mas a questão sobre as roupas mais adequadas para serem utilizadas durante os dias mais quentes do ano, sobretudo entre os homens que costumam vestir ternos por razões profissionais, permanece. Durante o verão, além do paletó sem forro, como sugeri em uma postagem anterior, há ainda uma outra alternativa ao terno convencional de lã, a saber: o terno de anarruga. Em inglês ele é conhecido como seersucker suit.


A superfície ondulada promove a transpiração

Anarruga é um tipo de tecido de algodão que apresenta uma textura enrugada. São as as ondulações sobre sua superfície que tornam o tecido de anarruga especialmente apropriado aos dias mais quentes e úmidos do ano, pois elas permitem a circulação de ar sob a roupa, promovendo assim a transpiração e amenizando a sensação de calor.


Senadores americanos posando para o seersucker day / junho 2006

O seersucker suit é, na verdade, um ícone do guarda roupa masculino americano. Assim como os advogados do Rio de Janeiro, os congressistas americanos às vezes sofrem durante o verão. No entanto, ao invés de pleitearem o uso facultativo do terno durante esse período, eles propuseram há alguns anos uma solução a meu ver bem mais elegante: a instituição do seersucker day. Na última quinta-feira de junho, que coincide com o início do verão no hemisfério norte, os senadores são encorajados a vestirem o tradicional terno de anarruga.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Abotoamento de paletós masculinos (IV)


Van Gogh / auto-retrato / 1889

Van Gogh / auto-retrato / 1889 também

Há poucos dias, na postagem sobre fotos antigas, referi-me à observação do abotoamento dos paletós masculinos como um critério para sabermos se uma imagem não teria sido equivocadamente publicada de modo invertido. Há pelo menos uma ocasião, no entanto, em que uma imagem pode aparecer, sim, de modo invertido, sem que isso resulte de um erro de publicação, a saber: quando a imagem em questão é um auto-retrato.


Detalhe da imagem anterior

Nas pinturas de Van Gogh acima, tem-se à primeira vista a impressão de que as imagens foram invertidas por engano, ou que o famoso pintor, na pobreza, tinha de recorrer a roupas femininas por falta de opção, pois os botões aparecem do lado direito, com a parte direita da roupa se sobrepondo à parte esquerda. Mas é claro que essa impressão é ilusória. Um auto-retrato é feito diante do espelho, por essa razão a imagem retratada sobre a tela aparece literalmente "espelhada", isto é invertida. As roupas de Van Gogh, apesar de rotas, eram como deviam ser - elas seguiam o abotoamento tradicional dos paletós masculinos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Abotoamento de paletós masculinos (III)

Marlene Dietrich


Famosa sósia de Marlene Dietrich

O modo de abotoamento do paletó – lado esquerdo sobre direito, ou lado direito sobre esquerdo – é tão distintivo da diferença entre paletós masculinos e femininos que algumas mulheres preferiram não negligenciar esse detalhe, mesmo quando vestindo roupas em tudo mais inteiramente masculinas.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Abotoamento de paletós masculinos (II)


esq. Errol Flynn, The Sea Hawk (1940)
dir. John Neville, The Adventures of Baron Munchausen (1988)

Não importa se você veste uma casaca de pirata, uma camisa social, um sobretudo, um colete, ou paletó, a forma de abotoamento permanece a mesma: o lado esquerdo se sobrepõe ao lado direito, onde se encontram os botões. Com as roupas femininas dá-se justamente o inverso. Segundo a lenda, a origem do abotoamento de roupas masculinas se deve ao hábito de carregar espadas do lado esquerdo. Como a maior parte dos homens são destros, a espada era carregada do lado esquerdo para que se pudesse retirá-la rapidamente com a mão direita. Se a casaca de um espadachim fosse abotoada como se abotoam hoje em dia roupas femininas, havia então o risco de que o cabo de sua espada ficasse preso em sua roupa quando a lâmina fosse desembainhada às pressas. A falta de atenção para esse detalhe de sua roupa, como se pode imaginar, poderia muito bem lhe custar a própria vida. Ocorre, porém, que há séculos os homens não andam mais por aí carregando espadas. Se isso é assim, então por que o modo de abotoamento dos paletós masculinos não variou com o tempo e ao sabor da moda, da mesma forma que outras características das roupas que vestimos?


Humphrey Bogart no filme Kid Galahad (1937)

A razão para a permanência do modo de abotoamento de roupas masculinas, a meu ver, é que os séculos passaram, mas a maior parte dos homens continua destra e precavida. Os homens deixaram de carregar espadas porque passaram a portar outras armas – não menos letais. Se alguém tiver de esconder uma pistola sob o paletó, será mais fácil sacá-la rapidamente, sem ter de perder tempo com botões, se a parte esquerda do paletó recobrir a parte direita. Bem, é verdade, por outro lado, que o número de pessoas circulando pela cidade com uma arma escondida sob o paletó deve ter diminuído com o tempo. Mas as pessoas continuaram indo ao cinema, e cenas como a de Humphrey Bogart na foto acima, presentes em tantos outros filmes, devem ter sido retidas inconscientemente na memória de muitos homens como uma indicação de que o abotoamento do paletó masculino não pode ser de outro modo - pelo menos não sem que corramos risco de vida. O abotoamento tradicional, dessa forma, funciona como uma espécie de alusão inconsciente à idéia de poder e masculinidade evocada pelo uso de espadas e pistolas.

(Este artigo foi originalmente publicado na revista Tendencia, setembro de 2009).

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Abotoamento de paletós masculinos (I)

A reviravolta de Getúlio Vargas

Um detalhe interessante da foto em preto e branco da postagem anterior é que ela está invertida, como se vista por um espelho. A posição correta da foto de Getúlio Vargas deveria ser como ela aparece acima.

Muitas fotos antigas foram ampliadas ou publicadas em modo invertido por engano. Quando uma foto apresenta, por exemplo, o letreiro de uma loja, é fácil perceber imediatamente se ela está ou não invertida. Uma outra maneira de se reconhecer se está "espelhada" é olhar para a posição do abotoamento dos paletós masculinos. Invariavelmente, a parte frontal esquerda de um paletó ou sobretudo masculinos se abotoa sobre a parte frontal direita. Essa ainda é uma das marcas distintivas da diferença entre uma camisa masculina e uma feminina. Mas na foto da postagem anterior tem-se a impressão de que Getúlio Vargas estaria usando uma roupa feminina, ou que teria se enganado ao abotoar seu jaquetão, o que é bem pouco provável. Além disso, ao examinar fotos antigas, convém lembrar que o bolso superior do paletó é sempre colocado do lado esquerdo. Quando a foto está invertida, ele aparece do lado direito de quem veste o paletó.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Getúlio Vargas: Sapato bicolor e chapéu de palha

Getúlio Vargas

Repare que
Getúlio Vargas, o homem no centro da foto na postagem anterior, está calçando um sapato tipo spectator ou correspondent, sobre o qual falei em uma outra postagem. Digno de nota é também seu chapéu de palha, mais conhecido em português como palheta. O palheta é um clássico entre os chapéus para o verão. Mais rígido do que o chapéu Panamá, o palheta é um tradicional acessório dos gondoliers que cruzam os canais de Veneza. Ele é muito popular também entre açogueiros mais tradicionais da Inglaterra e da Alemanha. Em inglês ele se chama boater e, em francês, esse simpático chapéu de palha é conhecido como "matelot" ou "canotier".


Santos Dumont 1900 / foto de Pirou


Jô Soares pronto para competição de remo


O palheta faz também parte do traje recomendado para os espectadores da tradicional regata de Henley, que ocorre todos os anos no início de julho, ao longo do Tâmisa na Inglaterra. Parte do charme do palheta é a sua indiferença a distinções de classe - do açogueiro ao aristocrata, do marinheiro ao presidente, do aviador ao apresentador de televisão, muitos homens aderiram ao ar de elegância casual evocado por esse simpático chapéu de palha.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O "beau monde" carioca: 1920 - 1945

Livro de Alberto A. Cohen e Samuel Gorberg

A preservação da memória visual da cidade do Rio de Janeiro conta desde o início do ano com mais um título nas livrarias. Trata-se de "A Elite Carioca e os Fatos Mundanos no Rio de Janeiro: 1920 - 1945", organizado por Alberto A. Cohen e Samuel Gorberg (editora AACohen). O livro conta com um bom texto, e traz uma ampla coleção de fotos do dia a dia e dos eventos que animavam o beau monde carioca no período entre guerras. Por essa razão, o livro acaba sendo também um registro valioso do que as pessoas elegantes no Rio de Janeiro vestiam naquela época.


Hipódromo / 1934

Na maior parte das fotos se vêem homens, se não de terno e gravata, pelo menos vestindo um paletó, mesmo em situações prosaicas do cotidiano. Com o verão atualmente marcando temperaturas recordes, eu me pergunto se, naquela época, toda uma cidade poderia estar equivocada em questões relativas a roupas adequadas para o verão. Havia, é verdade, casos talvez bizarros, como o das senhoras vestidas de preto, com estola de pele sobre os ombros em um dia ensolarado no Hipódromo Brasileiro em 1934 (p. 73); ou o dos cientistas brasileiros trajando pesadas roupas pretas em 1925 a fim de receberem Albert Einstein, confortavelmente vestindo terno branco e chapéu panamá (p. 31, ver foto). Contudo, de modo geral, a impressão que se tem é que as pessoas se vestiam com bom senso, usando chapéus para se proteger do sol, e ternos claros, certamente de linho, como na foto acima, para lidarem com o calor sem perder a elegância. - É preciso admitir, no entanto, que em épocas diferentes as pessoas podem ter idéias
bem diferentes acerca do que conta como bom senso, preferindo, por exemplo, em nome do conforto, se besuntar de protetor solar e tostar a pele sob o sol de verão...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Elegantia juris

Revista Esquire

Devido à onda de calor que assola a cidade, a OAB do Rio de Janeiro decidiu desobrigar advogados do uso de terno e gravata nas dependências do Poder Judiciário até o final do verão, como informa o site da entidade sob a rubrica “Liberado uso facultativo do terno”. Se as roupas que vestimos são uma expressão de nossa personalidade, então nada mais legítimo do que garantir o direito constitucional de liberdade de expressão àqueles que têm justamente como tarefa nos defender nos tribunais. O problema, no entanto, é que em meio a prazos, petições, processos, e audiências a maior parte dos juristas, ao escolherem suas roupas, parece jamais ter buscado inspiração nas Quatro Estações de Vivaldi. Eles conduzem o ano sob a melodia monótona de um mesmo tipo de terno, ignorando que estações diferentes exigem acordes e ritmos diferentes. Uma opção menos dissonante com o calor das últimas semanas são os paletós sem forro, confeccionados em tecidos com malha de textura aberta.


Paletó sem forro.
Foto publicada com autorização do proprietário.
Fonte: thelondonlounge.net

Diferentemente das fibras sintéticas, e das badaladas “super 100's”, malhas abertas permitem a ventilação e facilitam a transpiração. Quando utilizadas na composição de um paletó sem forro, o resultado é uma roupa extremamente leve e inteiramente adequada ao nosso clima, como ilustram as fotos acima. É desnecessário mencionar que um paletó como esse não se obtém comprado pronto. Sua confecção exige a competência de um bom alfaiate; na verdade, sua confecção pode até mesmo ser mais trabalhosa do que a de um paletó convencional, pois os pontos e linhas, que geralmente se escondem por trás do forro, devem ser cuidadosamente acabados para não se tornarem visíveis quando o paletó está aberto. Repare que apenas as mangas são forradas e que o tecido, de tão poroso, permite-nos até mesmo ver a silhueta dos objetos atrás dele. (Clique na foto para ampliá-la). As roupas que usamos não devem ser causa de desconforto, mesmo sob o clima canicular dos trópicos. Elas devem nos aquecer no inverno, e nos proteger do calor durante o verão.

Agradeço ao proprietário das fotos acima pela gentil autorização para publicação das imagens, e pelas explicações sobre a confecção de seu paletó.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

VEJA: Alfaiates recuperam o prestígio do passado...


Matéria da revista VEJA / 13 de agosto de 1986

"Alfaiates de todo país recuperam o prestígio do passado." Essa não é uma esplêndida notícia? Bem... essa foi uma excelente notícia, publicada em reportagem de autoria não identificada na revista VEJA, em agosto de 1986 – lá se vão já uns vinte e quatro anos. Em meio a planos econômicos mirabolantes de sucesso provisório, muitos alfaiates, de fato, vivenciaram naquela época um reinteresse pelos ternos inteiramente feitos à mão. No entanto, passada a euforia que as medidas governamentais então proporcionavam, a procura por alfaiates foi novamente recrudescendo, em consonância, aliás, com uma tendência que já estava em curso há bastante tempo.


Alfaiate José da Glória / foto revista VEJA agosto de 1986

Ainda há, é verdade, um interesse relativamente difundido pelos elementos da elegância clássica masculina. Contudo, folheando as inúmeras revistas “especializadas” e suplementos de estilo que povoam nossas bancas de jornais, o que inevitavelmente se constata é que a maior parte dessas publicações mal se distingue de um vasto catálogo para o consumo de produtos supostamente sofisticados – e extremamente caros. A razão pela qual essas publicações não fazem referência aos serviços de alfaiataria é simples: alfaiates, de modo geral, não fazem propaganda; o trabalho que realizam permanece anônimo, alheio aos folhetins de moda. O que não entendo, porém, é por que muitos homens ainda preferem pagar mais por ternos cuidadosamente estampados nas páginas de revistas, repletos de poliéster e fibras sintéticas, como se fossem feitos de papel celofane, a buscarem os serviços de um bom alfaiate. A diferença entre o terno sob medida e aquele comprado pronto é monumental. Cabe ao leitor, então, se decidir onde realmente mora o estilo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Verão: malhas abertas, tecidos leves... e claros

Albert Einstein / Careta, 16.05.1925

Referi-me nas postagens anteriores a duas características que tornam um tecido especialmente adequado para a confecção de ternos ou paletós de verão: o peso e o tipo de malha. Contudo, não é preciso ser um gênio da ciência para reconhecer uma terceira propriedade especialmente importante: a cor do tecido. Cores claras tendem a refletir a luz, absorvendo portanto menos calor. Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, em maio de 1925, Albert Einstein, diferentemente de seus colegas locais, já tinha se dado conta disso. Na foto acima, ele aparece elegantemente adaptado ao nosso clima. - Quanto às sandálias que usava, complementando o terno branco e o chapéu Panamá, essas sim parecem uma prerrogativa de cientistas excêntricos.


Mark Twain / Vanity Fair, 13 de março de 1908, por Spy

Algumas figuras foram tão obcecadas por ternos brancos que não restringiram seu uso aos dias mais quentes do ano. O escritor americano Mark Twain, por exemplo, era reconhecido como excêntrico, pelo menos em questões de vestuário, por ter estendido o uso do terno branco até mesmo aos dias mais frios do inverno. Em sua autobiografia ele conta o seguinte: "Eu sou considerado excêntrico porque uso roupas brancas tanto no inverno quanto no verão. Eu sou excêntrico, então, porque prefiro estar limpo em questões de vestimenta - limpo em um mundo sujo; absolutamente o único ser humano trajando roupas limpas em toda a Cristandade ao norte dos Trópicos. Isso é o que sou."

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tecidos leves, mas com malhas abertas


circulação de ar e eliminação de suor sob a roupa

A maioria dos jornais noticiou este como o mês de fevereiro mais quente dos últimos dez anos no Rio de Janeiro. Ao vestir um paletó, a melhor idéia, evidentemente, é optar por tecidos leves. Mas é isso tudo que realmente importa? Claro que não. Imagine se fosse possível confeccionar um terno com uma fina película de plástico. - Ele seria bastante leve, com toda certeza, mas, ainda assim, muito mais quente do que um pesado casaco de lã. A razão para isso é óbvia: trocamos calor com o ambiente através da transpiração; se o suor transpirado permanecer sob a roupa, a sensação de calor será agravada. Para que a transpiração possa ocorrer sem acúmulo de suor sobre a pele é necessário que a roupa permita a circulação de ar. E isso somente é possível se o tecido, assim como nossa pele, tiver a porosidade necessária para garantir a evaporação do suor.


tecido com malha aberta

O problema, no entanto, é que a maior parte dos sofisticados - e caros - tecidos empregues na confecção de ternos hoje em dia é, de fato, bastante leve, mas a sua malha, por outro lado, é muito fechada, dificultando a evaporação do suor. As tais "super" 100's, 200's, etc., são bastante leves, mas não permitem uma boa ventilação. Tenha em mente, portanto, que não é apenas o peso que torna um tecido mais ou menos adequado ao verão, mas sobretudo o tipo de malha empregue em sua confecção.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O nó de Windsor não é de Windsor


O “four-in-hand” e o “Windsor” sãos os tipos de nós de gravata mais comuns. O segundo é um pouco mais elaborado e seu nome resulta de uma homenagem ao Duke of Windsor, que abdicou em 1936. O mais interessante, no entanto, é que o Duque não inventou esse nó, e além disso não tinha nenhuma predileção especial por ele. Em suas memórias ele conta como surgiu a confusão: “... eu não fui de modo algum responsável por isso. O nó ao qual os americanos deram meu nome era um nó duplo em uma gravata estreita – um Slim Jack, como ele é às vezes denominado.” O nó que o Duke realmente usava era o four-in-hand, ou seja, o nó simples e que é utilizado pela maior partes dos homens. A diferença era o enchimento que conferia à sua gravata um volume superior ao das gravatas tradicionais. Os americanos, achando que o volume da gravata provinha do nó, acabaram então inventando um nó diferente e atribuíram equivocadamente ao Duque a sua criação. Eu, de minha parte, prefiro o tradicional four-in-hand.