domingo, 31 de outubro de 2010

Eligere, eleger, elegância...

Dicionário Houaiss: Etimologia da palavra "elegância"
Hoje é dia de eleição e é isso que realmente importa. Das escolhas que fazemos - é desnecessário dizer - dependem muitas coisas, e não apenas os rumos da presidência. Não deve ser por acaso, aliás, que as palavras "eleição" e "elegância" têm uma origem comum: ambas vêm do verbo latino "eligere". A pessoa elegante é aquele que, literalmente, "elege" ou "escolhe" bem.

sábado, 30 de outubro de 2010

Fernando de Barros


Em 2010 completaram-se noventa e cinco anos do nascimento de Fernando de Barros. Falecido em setembro de 2002, Fernando de Barros era português de nascimento, mas naturalizou-se brasileiro pouco depois de sua chegada a São Paulo, na década de quarenta, para trabalhar no cinema. Dirigiu vários filmes, mas foi como editor de matérias sobre elegância masculina, sobretudo na revista Playboy, que Fernando de Barros se notabilizou. Ele escreveu também alguns livros sobre a elegância clássica masculina, alguns dos quais contam como os melhores do gênero já publicados no Brasil.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

"Filosofia de um par de botas"

Van Gogh / 1887
Olhando casualmente para as botas, entrei a considerar as vicissitudes humanas, e a conjeturar qual teria sido a vida daquele produto social. Eis senão quando, ouço um rumor de vozes surdas; em seguida, ouvi sílabas, palavras, frases, períodos; e não havendo ninguém, imaginei que era eu, que eu era ventríloquo; e já podem ver se fiquei consternado. Mas não, não era eu; eram as botas que falavam entre si, suspiravam e riam, mostrando em vez de dentes, umas pontas de tachas enferrujadas. Prestei o ouvido; eis o que diziam as botas:


Van Gogh / 1885

BOTA ESQUERDA.- Ora, pois, mana, respiremos e filosofemos um pouco.

BOTA DIREITA.- Um pouco? Todo o resto da nossa vida, que não há de ser muito grande; mas enfim, algum descanso nos trouxe a velhice. Que destino! Uma praia! Lembras-te do tempo em que brilhávamos na vidraça da Rua do Ouvidor?

BOTA ESQUERDA.- Se me lembro! Quero até crer que éramos as mais bonitas de todas. Ao menos na elegância...

BOTA DIREITA.- Na elegância, ninguém nos vencia.

BOTA ESQUERDA.- Pois olha que havia muitas outras, e presumidas, sem contar aquelas botinas cor de chocolate... aquele par...

BOTA DIREITA.- O dos botões de madrepérola?

BOTA ESQUERDA.- Esse.

BOTA DIREITA.- O daquela viúva?

BOTA ESQUERDA.- O da viúva.

BOTA DIREITA.- Que tempo! Éramos novas, bonitas, asseadas; de quando em quando, uma passadela de pano de linho, que era uma consolação. No mais, plena ociosidade. Bom tempo, mana, bom tempo! Mas, bem dizem os homens: não há bem que dure, nem mal que se não acabe.
(...)


(Machado de Assis: "Filosofia de um par de botas", publicado originalmente em O Cruzeiro, 23 de abril de 1878).

domingo, 24 de outubro de 2010

Urdume e Trama do Anarruga

uma velha cadeira de vime em minha sala

É a mesma cadeira em que me sento na sala há já mais de dez anos, mas apenas há poucos dias me dei conta de que o esquema das tranças de vime no encosto da cadeira é o mesmo que caracteriza o padrão de tecelagem do autêntico seersucker ou anarruga. Talvez a única diferença entre a trança de vime na cadeira e o padrão de tecelagem do anarruga, além das proporções, seja o modo de tensionamento.



estrutura do anarruga

Explico-me: o anarruga autêntico tem dois fios no urdeme, que seguem lado a lado verticalmente, para cada fio da trama, que segue horizontalmente. A tensão a que são submetidos os fios do urdume varia conforme vão se formando as listras típicas do anarruga. Depois de concluído o processo de tecelagem, os fios que foram mais esticados tendem a se encolher novamente, e é isso que dá ao seersucker sua textura enrugada.


Mr Braddock e Anarruga
O mesmo efeito ondulado também pode ser obtido através de tratamento químico. Isso torna o processo de fabricação mais barato e bem menos trabalhoso. Mas o resultado final é um tipo de tecido que, embora muito popular e também conhecido como “anarruga”, não se presta realmente à construção de um terno. Na foto acima, Dustin Hoffman, com um genuíno paletó seersucker, interpreta Benjamin Braddock no filme A Primeira Noite de um Homem (The Graduate / 1967).

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Anarruga para presidente

Bush1, Bush2, e Anarruga
Pode não ser um grande incentivo à utilização do terno de anarruga, ou seersucker suit, vê-lo associado à imagem de Bush Pai. Ainda assim, o terno de anarruga é uma ótima opção para os dias mais quentes do ano. A estrutura ondulada do tecido conhecido em português como "anarruga" dá ao terno a impressão de estar sempre e irremediavelmente amassado, mas isso faz parte da própria estética dessa lendária peça do vestuário masculino americano.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"Não me animava a exigir mais de uma gravata..."

revista Esquire / década de 1940

"Obtive um terno de casimira, chapéu de feltro, sapatos americanos, uma gravata vermelha. Não me animava a exigir mais de uma gravata: meu pai só me permitia, rigoroso, o suficiente. Isso bastava à minha representação ..." (Graciliano Ramos, Infância, 1945).

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Suspensórios (III)

BBC / documentário sobre Savile Row

Calças para serem usadas com suspensórios podem existir em uma diversidade de modelos. A da ilustração acima foi confeccionada em uma das famosas casas da Savile Row, em Londres. Repare que ela possui na parte de trás uma espécie de correia que ficará mais tarde oculta sob o paletó. Ela permite ajustar a calça a pequenas variações de peso, sem que ela fique apertada ou folgada demais. Que sofisticações como essas somente existam na alfaiataria sob medida, isso talvez seja desnecessário mencionar.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Suspensórios (II)

Suspensórios, assim como camisas sociais, foram por muito tempo considerados “roupas-de-baixo”, pois permaneciam quase inteiramente ocultos sob o paletó e sob o colete. Com o gradual declínio do uso do colete, os suspensórios foram também caindo em desuso. Mas, como disse na última postagem, suspensórios são, ainda hoje, uma opção elegante, se utilizados com a calça adequada. Na imagem acima, podem-se ver os botões internos da calça. É neles que ficam presos os suspensórios. Há dois botões na parte de trás, e quatro na parte da frente, sendo dois de cada lado.

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suspensórios Albert Thurston

Suspensórios costumam ser vendidos em tamanho único. Os de boa qualidade, como os da renomada marca Albert Thurston, têm as extremidades em couro. Eles devem ser ajustados de modo a não ficarem muito folgados, do contrário é possível que deslizem dos ombros, sobretudo quando se está sentado. Mas também não devem ficar apertados demais, o que pode se tornar especialmente incômodo durante o verão.

domingo, 17 de outubro de 2010

"O Tarado de Suspensórios"

Nelson Rodrigues (1912-1980)

A postagem de hoje lembra o título de uma crônica de Nelson Rodrigues: "O Tarado de Suspensórios". Em uma outra crônica, Nelson Rodrigues escreve: “Entro e vejo meu amigo sem paletó, um vasto charuto. O charuto é o de menos. O transcendente eram os suspensórios…” (A Cabra Vadia). Não é preciso ser transcendente ou tarado para usar suspensórios. Basta lembrar que eles não devem jamais ser usados com um cinto, não apenas porque isto seria uma espécie de pleonasmo, mas porque calças para cinto e calças para suspensórios têm cortes inteiramente diferentes. Calças para suspensórios têm botões internos em lugar daqueles passadores externos por onde passa o cinto. Suspensórios de qualidade mantêm a calça na altura da cintura natural e são presos por meio dos botões internos à calça, e não por presilhas.


calça para abdomen expansivo (dir.)

Suspensórios são uma solução elegante para homens com região abdominal protuberante. As calças presas por cinto, posicionadas abaixo da cintura natural, apenas tendem a acentuar a proeminência da região sub-peitoral. Além disso, os suspensórios dispensam o gesto freqüente e pouco elegante de, a cada movimento, ter de suspender com as mãos a calça que insiste em se deslocar para baixo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Parker 51 no Brasil

Propaganda da Parker 51 na Revista Fo-fon (1944)

Este site compreende "elegância" em um sentido amplo, e não restritivo. Canetas tinteiros também podem ser extremamente elegantes, e a Parker 51 é um clássico em seu próprio gênero. Seu nome é uma homenagem ao qüinquagésimo primeiro aniversário da Parker, empresa americana fundada em 1881.


Parker 51: lançada no Brasil no final da década de trinta

O que muita gente não sabe, porém, é que a Parker 51 foi lançada originalmente no Brasil, antes mesmo de ter sido introduzida no mercado americano. Talvez seja por essa razão que, ainda hoje, as chances de se deparar com uma Parker 51 em algum antiquário brasileiro não sejam menores do que em qualquer outro lugar. Acima, uma das primeiras propagandas da Parker 51, publicada na Revista Fon-Fon em 1944. A segunda foto é do livro Collectible Fountain Pens, de Juan Clark. Clique nas imagens para ampliar o texto.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sete Dobras de Gravata

aplicação de recheio em gravata da renomada marca Drake

Nem toda gravata 100% de seda é realmente 100% seda. Não que o material externo seja sintético ou que o fabricante queira enganá-lo. Ocorre apenas que, ao se falar em “100% seda”, raramente se leva em conta também o recheio da gravata, que geralmente é de acetato. Não importa a qualidade da seda, um recheio de má qualidade, ou na consistência inadequada, arruinará o caimento da gravata.

gravata "seven-fold" da marca Napoli Coast

Gravatas realmente 100% de seda são denominadas em inglês “seven-fold”. A razão é simples: elas são feitas de uma única peça de seda, dobrada sete vezes sobre si mesma. Ela não tem recheio porque, de certa forma, ela já é o próprio recheio. Gravatas “sete-dobras” são evidentemente muito mais caras, pois consomem mais do dobro do material necessário para a confecção de uma gravata convencional. E isso sem mencionar a mão de obra necessária para sua confecção. O número de dobras, na verdade, pode variar, mas por alguma razão mística gravatas desse tipo, inteiramente de seda, são associadas ao número sete.

domingo, 10 de outubro de 2010

Gravatas: conversa de botequim na década de trinta

Revista Fon-Fon (1930)
A Revista Fon-Fon era um semanário ilustrado carioca que circulou da década de vinte até o final da década de quarenta. Suas páginas são uma crônica da vida cotidiana na capital fluminense no período entre-guerras. A revista contém diversos artigos, ilustrações e mesmo propagandas alusivas ao ideal de elegância que marcou esse período da vida brasileira.

sábado, 9 de outubro de 2010

Laurence Olivier em casa no Garrick Club

Laurence Olivier, salmão, e pepino

Há poucos dias falei das gravatas regimentais. Algumas gravatas regimentais têm combinações de listras e cores tão peculiares que é quase impossível contemplá-las sem pensarmos nos clubes em que elas surgiram. Esse é certamente o caso da gravata verde e rosa do Garrick Club, em Londres. Seus membros costumam se referir a ela como "salmon and cucumber", salmão e pepino. O Garrick Club surgiu em 1831 a partir da iniciativa de um grupo de artistas da época. Desde então, o clube teve entre seus membros célebres atores britânicos como, por exemplo, John Gielgud e Laurence Olivier, além de escritores famosos como Charles Dickens e William Thackeray.


cocktail bar do Garrick Club

O retrato de Laurence Olivier acima é de 1968. O nó da gravata, bem folgado, não deixou de despertar a reprovação de algumas pessoas. O mais provável, porém, é que o gesto tenha sido planejado como uma forma de evocar o clima de descontração e privacidade que se espera de um clube como esse. No canto esquerdo inferior da foto é possível ver o quadro de Laurence Olivier em meio a outros quadros em uma das dependências do clube. - Um privilégio para membros e convidados apenas.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

"Um botim sem misericórdia nem graxa"

Van Gogh / telas de década de 80 do século 19

Van Gogh pintou várias quadros retratando sapatos “sem misericórdia nem graxa”. Essa expressão aparece em uma das mais conhecidas obras de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicada em 1881. Não é signficativo, aliás, que as telas de Van Gogh tenham aparecido na mesma época em que Machado de Assis escrevia seu romance? A elegância por vezes se encontra onde menos a procuramos, e pode mesmo consistir na descrição do que mais dela se afasta. Essa passagem de Memórias Póstumas ilustra o que digo:

“Imaginem um homem de trinta e oito a quarenta anos, alto, magro e pálido. As roupas, salvo o feitio, pareciam ter escapado ao cativeiro de Babilônia; o chapéu era contemporâneo do de Gessler. Imaginem agora uma sobrecasaca, mais larga do que pediam as carnes, — ou, literalmente, os ossos da pessoa; a cor preta ia cedendo o passo a um amarelo sem brilho; o pêlo desaparecia aos poucos; dos oito primitivos botões restavam três. As calças, de brim pardo, tinham duas fortes joelheiras, enquanto as bainhas eram roídas pelo tacão de um botim sem misericórdia nem graxa. Ao pescoço flutuavam as pontas de uma gravata de duas cores, ambas desmaiadas, apertando um colarinho de oito dias. Creio que trazia também colete, um colete de seda escura, roto a espaços, e desabotoado.”

domingo, 3 de outubro de 2010

Gravatas Regimentais: Qual é o seu clube?

Professor da Universidade de Oxford ou da Universidade de Yale?
Num dia como este, em que todos correm às urnas para decidirem os rumos do país, esta postagem poderia enganar. Não se trata, no entanto, de campanha eleitoral. Políticos costumam usar gravatas, sobretudo em situações oficiais. Gravatas regimentais, com listras em diagonal, costumam ser uma opção criativa. Bem coordenadas e de boa qualidade, elas contribuem significativamente para a elegância de quem as utiliza.
Gravatas da Universidade de Oxford

É preciso ter em mente, porém, que gravatas regimentais tiveram sua origem em clubes e associações desportivas britânicas. Ainda hoje, diversas faculdades, regimentos militares, corporações e grêmios possuem suas próprias combinação de listras, o que permite a membros de um mesmo grupo se reconhecerem imediatamente. A Universidade de Oxford, por exemplo, possui vários modelos de gravatas para cada um de seus “colleges”. A gravata do Magdalena College é a de número vinte na ilustração acima – a segunda da direita para esquerda na penúltima fileira. Ela é bastante parecida com a gravata da renomada Universidade de Yale, nos Estados Unidos, diferindo apenas na direção das listras, descendentes da esquerda para a direita.


Gravata da Universidade de Yale

Não há nada de errado em desfilar por aí com gravatas regimentais que, a rigor, eram ou ainda são prerrogativas de um determinado clube ou associação. No entanto, diplomatas e políticos, especialmente chefes-de-Estado em missões oficiais no exterior ou em fotos oficiais de circulação internacional, deveriam evitar o constrangimento de serem reconhecidos publicamente como membros de grupos de que, de fato, não fazem parte.

sábado, 2 de outubro de 2010

Machado de Assis e a Metafísica do Charuto

Getúlio Vargas


"Depois da invenção do fumo não há solidão possível. É a melhor companhia deste mundo. Demais, o charuto é um verdadeiro Memento homo: convertendo-se pouco a pouco em cinzas, vai lembrando ao homem o fim real e infalível de todas as coisas: é o aviso filosófico, é a sentença fúnebre que nos acompanha em toda a parte. Já é um grande progresso... Mas estou eu a aborrecer com uma dissertação tão pesada. Hão de desculpar... que foi descuido. Ora, a falar a verdade, eu já vou desconfiando; Vossa Excelência olha com olhos tão singulares..." (Machado de Assis)