sábado, 14 de julho de 2012

Contraforte e Calçadeira

corte longitudinal do sapato

A parte do sapato que protege o calcanhar não poderia ter outro nome: "contraforte". Ela está submetida a um esforço extra, pois ajuda a impedir que o sapato se solte do pé. Além disso, a contraforte é importante para uma proteção adequada do calcanhar. Mas apesar do nome, a contraforte não é indestrutível. Pelo contrário, a falta de cuidado com os sapatos a torna especialmente vulnerável, pois muita gente na hora de se calçar acaba pressionando a contraforte para baixo com o pé. Isso pode danificá-la irreversivelmente. 

calçadeiras em chifre polido

A durabilidade da contraforte, e o conforto na hora de calçar os sapatos, dependem de uma medida bastante simples: a utilização da velha e tradicional calçadeira. A calçadeira deve estar sempre à mão na hora de se calçar. Algumas das melhores marcas de sapatos costumam adicionar uma calçadeira à caixa de sapatos, para evitar que eles se deformem prematuramente. As calçadeiras mais simples são de material barato como plástico ou aço inoxidável. Mas algumas calçadeiras são mais elaboradas, em chifre, bambu, ou mesmo prata com cabo de madrepérola, para os mais exigentes.

calçadeira de cabo longo: ideal para idosos
O uso de calçadeiras é especialmente importante na hora de calçar sapatos do tipo oxford ou wholecut, já que eles não possuem as abas laterais, típicas do sapatos do tipo derby. Uma calçadeira de cabo mais extenso permite que você calce os sapatos sem se curvar muito, o que torna a vida idosos um pouco mais fácil nessas horas.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Oxford ou Whole-Cut?

wholecut da marca Berluti

Não deixa de ser uma espécie de oxford, mas o "whole-cut" é diferente do oxford em um detalhe fundamental: como a própria palavra sugere, ele é feito sem emendas ou costuras. Daí o nome: "cortado por inteiro". Ele é menos visto nas sapatarias, em primeiro lugar, porque exige em sua confecção mais material do que outros modelos, já que ele não pode ser feito com sobras menores e retalhes do material cortado para outras partes do sapato.


Uma única superfície sem emendas
Se o sapateiro cometer algum erro na hora de cortar ou montar, o material para um par do sapato vai todo embora. Além disso, o "wholecut", quando não é feito sob medida, dificilmente se ajustará ao seu pé, caso o comprimento e a altura dos pés não coincidam perfeitamente com as dimensões da forma usada para a fabricação do sapato. No caso do derby, que é o sapato mais popular nas sapatarias, basta que o comprimento do pé se ajuste, pois as abas laterais fazem com que o sapato se acomode a qualquer altura de pé. Isso tudo, evidentemente, torna o wholecut mais caro e menos frequente nas lojas.

wholecut preto? Pense duas vezes...
O wholecut costuma ter menos furos para o cadarço do que o derby ou o oxford. Os perfurados decorativos, quando presentes, costumam também ser  mais discretos, pois o efeito visual do wholecut consiste justamente em mostrar uma única superfície que se modela perfeitamente ao pé, sem emendas ou costuras. Furinhos decorativos em excesso perturbariam o visual característico do wholecut. Esse efeito é ainda mais interessante quando o sapato é bem polido.

O wholecut é um sapato bastante informal. Embora não seja incomum vê-lo também na cor preta, o wholecut preto é, na minha opinião, bem menos atrativo do que nas variações de castanho que o couro bem tratado costuma assumir.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Richelieu ou Oxford



O Cardeal de Richelieu é mais conhecido pela sua participação na construção do absolutismo na França do século XVII. Como seu nome passou a designar um tipo de sapato masculino bastante elegante, isso sinceramente eu não sei. 

Os franceses chamam de Richelieu o mesmo tipo de sapato conhecido em outras línguas como Oxford. O Richelieu, ou Oxford, se diferencia do Derby pela ausência das abas laterais por onde se passa o cadarço.

sábado, 23 de junho de 2012

Sapatos: Brogue, Oxford, e Derby

Revista Esquire - década de 1940

Certa vez enviei para a seção de cartas da Playboy um comentário sobre sobre sapatos masculinos. A mensagem não foi respondida, mas não me incomodei com isso. Afinal, os editores devem receber todos os dias centenas de mensagens como a que enviei. Contudo, não faz muito tempo, deparei-me com o site de um dos editores da revista. Ele gentilmente se refere a mim como "especialista em sapatos". Devo enfatizar, porém, que isso realmente não é o caso. Mas o seu artigo faz uma alusão ao comentário que não chegaram a publicar. A simpática matéria de Rircardo Oliveros tem como título "Veja como usar o tradicional sapato Oxford de maneira moderna".

Sapatos, em todas as suas variações, são com certeza o item mais nobre na cultura da elegância clássica masculina. Talvez por isso seja importante desfazer aqui algumas confusões recorrentes em reportagens e propagandas sobre sapatos. Começo retomando comentário que enviei à revista Playboy

Oxford semi-brogue

“Brogue” e “oxford” são categorias bem diferentes entre si. "Brogue" designa simplesmente aquele perfurado decorativo que alguns sapatos apresentam. Em inglês britânico, dependendo da extensão dos motivos perfurados, fala-se em “brogue”, “semi-brogue”, ou “full-brogue” (esse último os americanos denominam “wing-tip brogue”). Nada impede, portanto, que um sapato seja ao mesmo tempo do tipo “brogue” e do tipo “oxford” ou "derby". 

Oxford full-brogue

Um sapato do tipo “oxford” designa o mesmo tipo de sapato que os franceses denominam “Richelieu”, e os alemães “geschlossene Schnürung”. Um “derby”, por sua vez, é o que os americanos chamam de “blucher”; os franceses denominam derby; e os alemães chamam de “offene Schnürung”. 

Quando se fala sobre estilos de sapatos, a comparação que geralmente se faz é entre “oxford” e “derby”, e não entre “oxford” e “brogue”, uma vez que tanto os "derby" quanto os "oxford" podem ser decorados com “brogue”.
 Derby (ou blucher) semi-brogue

É fácil notar a diferença entre um “oxford” e um “derby”: no “derby” a parte onde se situam os orifícios por onde se passa o cadarço está em uma aba de couro que se costura sobre o corpo do sapato. No "oxford" não há esse elemento, pois os furinhos para o cadarço são feitos diretamente sobre o corpo do sapato. O que se vê então no "oxford" é praticamente uma única superfície que acompanha todo o formato do pé. É por essa razão – por realçar o formato do pé de modo contínuo – que o “oxford” é considerado mais elegante e mais formal do que o “derby”. Vestir, por exemplo, um smoking calçando um “derby” constitui uma espécie de crime contra a elegância.

Mas os modelos do tipo "oxford", comprados em sapatarias, por oposição aos confeccionados sob medida, têm uma desvantagem: se seu pé for muito alto, na hora de amarrar, a parte do sapato sob o cadarço vai formar uma espécie de “V”; ou seja, as duas carreiras de orifícios não ficarão paralelas. Isso é um indício de que o sapato não é para o seu pé. Se, pelo contrário, seu pé for relativamente baixo, as duas carreiras de furinhos tendem a se sobrepor uma sobre a outra. Isso resulta num efeito bastante deselegante. Além disso, o sapato pode até mesmo sair do seu pé enquanto caminha, pois não adianta puxar o 
cadarço e amarrar bem apertado o sapato porque ele não ficará firme no lugar.

Para a indústria de calçados, no entanto, o “oxford” é uma dor de cabeça, uma vez os fabricantes têm de levar em consideração não apenas o cumprimento do pé, mas também a sua altura. Esse tipo de problema não ocorre com o “derby”, pois ele se adapta bem a praticamente qualquer altura que o pé possa ter. É por essa razão que nas sapatarias a quantidade de sapatos do tipo “derby” costuma ser muito superior aos do tipo “oxford”.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Roupas de mármore e bronze sob medida...

Estátua de Dom Pedro II em Sergipe - Obra de Leo Santana, 2006

Para a história da elegância clássica masculina, estátuas são, em minha opinião, um material fascinante, pois a maior parte do bronze ou do mármore que se vê dão forma não tanto à pessoa figurada, mas à roupa que ela veste. É como se, para o escultor, a obra se transformasse em uma peça de alfaiataria. Mas isso exige, evidentemente, atenção às formas e proporções específicas de cada tipo de vestimenta.

carreira vertical de botões ausente

Em uma estátua de Dom Pedro II em Sergipe há uma falha que certamente não teria escapado aos olhos dos contemporâneos do último imperador. A estátua deveria ser reconduzida ao ateliê do escultor como quem devolve um paletó defeituoso ao seu alfaiate. Ela mostra Dom Pedro II com um colete tipo "jaquetão”, que deveria, portanto, ter duas carreiras verticais de botões. Contudo, vê-se apenas uma das carreiras de botões na obra. Para que a outra carreira de botões estivesse oculta sob a casaca, o colete teria de ter outras proporções.

Colete com duas carreiras de botões

Goethe e Schiller (à direita) em Berlim

Detalhe do colete tipo jaquetão de Schiller
As imagens acima - a de um busto desconhecido, e a da estátua de Goethe e Schiller em Berlim - ilustram bem o que quero dizer: repare que tanto no busto quanto na estátua de Schiller (à direita) vê-se um colete tipo jaquetão, com as duas carreiras de botões bem visíveis, diferentemente do que ocorre com a estátua do pobre do Dom Pedro II.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Dom Pedro II e a Elegância da Época Vitoriana


Livro de Marcelo de Araujo

Resultado de uma pesquisa muito bem cuidada, este livro de Marcelo de Araujo reconstrói a vida do último imperador do Brasil a partir da perspectiva das roupas que ele costumava vestir. O livro apresenta uma generosa seleção de fotos e ilustrações e conta ainda com o exame de documentos até então inéditos na historiografia sobre Dom Pedro. O resumo do livro disponível no site da Editora Estação das Letras diz o seguinte:

"Dom Pedro II, como notaram vários contemporâneos do último imperador do Brasil, não era especialmente elegante. Mas ele, como nenhum outro expoente da política brasileira, soube exprimir suas convicções políticas e morais através das roupas que vestia. Casacas, sobrecasacas, cartolas e guarda-chuvas foram recorrentemente usados pelo imperador com o intuito demonstrar sua simpatia pelo regime republicano. Até mesmo a deliberada utilização de gravatas que entravam em conflito com o dress code da aristocracia europeia era um dos artifícios a que o imperador costumava recorrer com o fito de exprimir sua aversão à pompa da monarquia. Este livro procura reconstruir alguns aspectos da biografia de Dom Pedro II à luz da história da indumentária masculina no contexto do século XIX. Servindo-se de uma rica seleção de fotos e ilustrações, e recorrendo a documentos inéditos, que incluem, por exemplo, uma listagem detalhada das encomendas do imperador na mais renomada casa de alfaiataria inglesa do século XIX, o autor analisa o poder simbólico que as roupas exerciam na constituição da imagem de um dos mais singulares monarcas do período vitoriano."

domingo, 29 de janeiro de 2012

Visconti, paletó, e papel de parede

 Visconti, paletó, e papel de parede

Não chega a ser um item visto com frequência na Europa. Lembro-me de ter visto alguém, ano passado em uma plataforma de trem em Zurique, trajando um terno de anarruga. Mas talvez fosse um americano de férias pela Europa, pois os europeus, de modo geral, parecem não ter lá nenhum apreço especial pelo seersucker, ou terno de anarruga. Isso torna o quadro acima, extraído de uma das últimas entrevistas que o cineasta italiano Luchino Visconti concedeu, especialmente interessante. 



típica padronagem do seersucker ou anarruga

É bem pouco provável que o autor de clássicos do cinema como Rocco e seus Irmãos e Morte em Veneza não tenha percebido o contraste harmônico que o papel de parede ao fundo formaria com o paletó de anarruga que vestia. Visconti reflete sobre o sentido do nascimento e da morte: "Birth and death are the same", como o personagem de um filme que se confunde imperceptivelmente com a tela em que aparece.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Brideshead Revisited



Com o reinício do verão, não pude deixar de me lembrar deste tópico: sapatos bicolores, conhecidos em inglês como spectator ou correspondent. Eles aparecem na capa deste clássico da literatura inglesa, Brideshead Revisited, de Evelyn Waugh. A história de Waugh se passa no período entre guerras. Para alguns, esse é um período de ouro da elegância clássica masculiana.



Charles Ryder & Sebastian Flyte

O livro Brideshead Revisited foi transformado em uma série de televisão de mesmo nome, levada ao ar na Grã-Bretanha durante a década de 70. A reconstiuição do vestuário da época foi feita de modo impecável, sob a consultoria de Milena Canonero. A versão cinematográfica, porém, que estreou no Brasil há poucos anos, deixa muito a desejar. Tanto no livro quanto no seriado de televisão há uma diversidade de referências ao vestuário típico da época.

- Até mesmo a capa de algumas edições do livro tenta capturar o espírito do vestuário masculino das décadas de vinte e trinta.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Frédéric Chopin: Elegância

Estátua de Frédéric Chopin / Praia Vermelha, Rio de Janeiro


No livro Chopin's World, uma biografia de Frédéric Chopin, Ann Malaspina relata a obsessão que o compositor polonês tinha com a elegância das roupas que vestia:

"Música era a sua vida, no entanto, Chopin também apreciava o luxo. Ele comprava móveis caros e os cobria nos mais sofisticados tecidos de seda. Quando costumava sair à noite, ele vestia ternos elegantes feitos pelo seu alfaiate. Chopin ostentava uma figura esplêndida, em um paletó de veludo, colete preto, luvas brancas, cartola manufaturada por um chapeleiro de Paris, e capa preta de veludo com forro de seda prateada. Seus pequenos sapatos eram feitos à mão. Vestir-se como um gentleman era importante para Chopin..."

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Falando com os botões

Fonte: Encyclopedia of Clothing and Fashion, vol 1, p. 222

De Machado de Assis, Quincas Borba, início do capítulo CXLII:

“A expressão: ‘Conversar com os seus botões’, parecendo simples metáfora, é frase de sentido real e direto. Os botões operam sincronicamente conosco; formam uma espécie de senado, cômodo e barato, que vota sempre as nossas moções.”